sábado, 30 de abril de 2011

O HOMEM DE ROSA

O homem de rosa, que agrada, intriga, suspira e fadiga, é o homem que nunca se mostra.
O homem de prosa, que cita, instiga, e cria cantiga, é o que sempre se prostra.
O homem se mostra. Ele senta, levanta e se espanta.
Ele se mostra, se prostra.

sábado, 23 de abril de 2011

O VEREDICTO 2

Cá estou excelência. Recomposto, rosto lavado, cabelos ajeitados.
Confesso que não voltei para casa. Fiquei no banco da praça a tarde inteira e pude ver coisas que há muito tempo não via. Entre elas vi minha vida que de tão abandonada passou por meus olhos discretamente, sem brilho.
Passou escondida na sombra dos que alegremente andavam na minha frente, com ares de liberdade e felicidade.
Precisei ver o sol se pôr para ver quantos dias como este perdi. E quantas pessoas como aquelas, deixei passar.
Excelência, não é todo dia que se percebe o quanto viver pode ser bom, e o quanto vale a pena recomeçar.
Por isso peço licença aos presentes para comunicar:
senhores, com muita alegria, lamento que não haverá mais julgamento.
Julguei que é tempo de sair e sentir a vida, as pessoas.
Quanto a meus clientes, apesar de não termos nos apresentado, dirijam-se à praça. Creio que lhes fará bem.
Obrigado.

O VEREDICTO

O veredicto, senhor Juiz, é que não haja veredicto.
Que a circunstância e a jurisprudência, sejam causas justas. Enfim, ambíguas são todas as leis que prezam pelo alento, o medo, a incerteza, a comoção.
Por isto intervenho por meio de meus clientes, que nada tem a ver comigo. E que de tão distantes não me conhecem nem a cara.
A cara de pau que sempre me foi útil. Saio das enrascadas com proeza e maestria.
Passeio pelas tribunas e cumprimento o clero como se fossemos bons amigos.
De muito me valem estes contatos, inclusive o seu excelência, com todo respeito.
Por isto senhor Juiz, peço tempo ao julgamento.
Tempo para me recompor.

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Piso

A pegada, o pé, a marca, o chão.
Piso com pé ante pé. Calço, calçado, amarro cadarço.
Sigo pé com pé. Desvio, tropico, pulo, chuto.
Sinto meu pé ante pé. Poça, lama, grama.
Chuto com o pé que der. Descalço.
Levo no pé, o quanto puder.
O corpo que vai apenas onde eu quiser.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

BARULHO

O barulho nasce alí.
No canto, no meio da sala, do lado de um, no meio dos outros, no espaço entre um silêncio, entre uma palavra e uma risada.
O barulho entra pelos ouvidos, rebate nas paredes, voa ao teto, cai em cima das mesas, rola entre todo mundo, se agarra pelas janelas, espreme-se nas frestas e, não aguenta mais, sai pelo corredor. Voa e se perde. Enfraquece. Lá fora.
Por que aqui ele cresce. Seque frenético sem saber que logo terá os minutos contados, a vida encurtada. Voltará para o canto, desaparecerá no fechar da porta. O barulho também se apaga.

domingo, 3 de abril de 2011

Sentimentos

Sentimentos são o exagero do coração. São o excesso da mente. A gota fora da imaginação.
Sentimentos me deixam em vão. Por isso sinto muito por não ter amado, não ter desejado, apenas ter usado.
Sinto muito por não ter deixado que os sentimentos fossem bons.
Porque de bom bastavam as intenções, e estas me tinham cheio. De saco cheio.
Cheio de vontade, ao ponto se sentir, tudo o que amedronta, que emuduce, que sugere.
Sugiro então que se mate. Se mate pois não te quero mais.
E mais livre estarei sem teus sentimentos, sem meus tormentos. Acabe.
Se acabe ao saber que você não mais existe, que eu não mais existo, que não te encontro mais e, por isso não me sinto mais.
Sinto em vão os sentimentos bons. Que de nada valem. Agora, de nada valem.
Antes tivesse pensado. Tivesse planejado. Mas de qualquer forma, tudo teria dado errado.